Os dexistas e as transmissões não autorizadas

Por: Sergio Dória Partamian

De tempos em tempos, quando do surgimento de novas transmissões não autorizadas, seja na forma de “Rádio Livres”, “Rádio Piratas” ou “Rádio Clandestinas”, aparecem dúvidas sobre a postura dos Dexistas frente a elas. Por essa razão, resolvi recuperar um artigo, que publiquei, em outubro de 2013, no Boletim Atividade DX, número 322, do DX Clube do Brasil. O título original era “Emissoras Ilegais- Parte I”. Seu conteúdo e pressupostos continuam válidos e atuais. O tema é delicado, de certa maneira um tabu, mas corresponde ao ponto de vista dos dexistas ao longo da história. 

Vamos a ele: Por diferentes razões, a existência de emissões ilegais desagradam governos constituídos, emissoras legalizadas e até aos colegas radioamadores. Desagradam aos governos quando questionam sua autoridade e desobedecem as leis; desagradam as estações comerciais, que temem perder audiência e receitas monetárias; desagradam aos radioamadores que, não sem razão, esperneiam quando frequências a eles destinadas são por elas “invadidas”.  

Os Dexistas, quando questionados sobre o tema, parecem ficar “em cima do muro”, por se manterem distantes de tais polêmicas, não participarem das campanhas de denúncia contra elas e divulgarem sua existência através de listas de discussão, redes sociais e páginas de clubes por eles mantidos. Para dirimir tais dúvidas e incompreensões é que estou escrevendo este artigo, expondo o ponto de vista do Dexismo sobre o tema. Meu objetivo é de esclarecer, de trazer alguma luz sobre o tema. Convém dizer que, como Dexistas, não incorremos em nenhuma ilegalidade ao captar alguma transmissão considerada “ilegal”. Não é proibido ouvir rádio, a não ser em tempos de guerra e, mesmo assim, somente pela ação repressiva de governos ditatoriais ou autoritários. Lembremos que os Dexistas são caçadores de sinais de rádio e televisão provenientes de regiões distantes (milhares de quilômetros), fora das áreas de cobertura projetadas pelas emissoras, preferencialmente de potências reduzidas. Que seus interesses estão voltados à escuta de emissoras de radiodifusão oficial, seja em ondas médias, curtas, frequência modulada ou televisão, destinadas ao público em geral. Também há outro considerável contingente deles que se especializaram na busca de emissoras clandestinas, piratas, radioamadorísticas ou utilitárias. Recordemos que, para os Dexistas, o conteúdo dos programas de uma estação emissora, a causa que diz defender, a religião que professa, a ideologia que procura propagar, assim como seu status “legal” ou “ilegal” é secundário. Lembramos, ainda, que o foco dos Dexistas está centrado no desafio de caçar e ouvir emissoras de difícil captação, que em circunstâncias normais não poderiam ser ouvidas. 

São por estas razões que os Dexistas não se envolvem em campanhas de denúncia, repressão ou supressão de transmissões consideradas ilegais. Até as emissoras, que costumeiramente recebem e contestam nossas reportagens de recepção, sabem disso. Para ilustrar melhor o que digo, cito um exemplo que tive a oportunidade de testemunhar. No início dos Anos 1990, recebi, aqui, em São Paulo (SP), o Dexista japonês Takayuki Inoue Nozaki que, em férias, vinha de um longo giro pela América Central e do Sul, visitando diversos países da região e suas principais emissoras. Um dos países por ele visitados foi El Salvador, em plena Guerra Civil (1980-1992). Mesmo na circunstância excepcional de uma Guerra Civil, ele conseguiu ter acesso à lendária emissora clandestina-guerrilheira Rádio Venceremos, da Frente Farabundo Martí para La Liberación Nacional. Como ele conseguiu tal façanha? Certamente por que a emissora tinha conhecimento da postura equidistante e flexível dos dxistas com relação a legalidade ou ilegalidade de uma estação de rádio. Para concluir essa história, demonstrando como pode ser tênue a fronteira do “legal” e “ilegal” em termos de rádio, basta dizer que, em 1992, terminada a Guerra Civil, a Rádio Venceremos foi legalizada e que, em 2009, a Frente Farabundo Martí para La Liberación Nacional (transformada em partido político desde 1992) chegou ao poder elegendo, como Presidente da República, o jornalista Carlos Mauricio Funes Cartagena. Já imaginaram se o Takayuki Inoue Nozaki tivesse denunciado a localização da emissora ao governo de plantão, em El Salvador, durante aquela Guerra Civil? Certamente não mudaria a História, mas, com toda certeza, ficaríamos marcados com “dedos-duros”. 

A postura dos Dexistas de não denunciar tais estações para as autoridades e de não participar de campanhas persecutórias não é nova. Ela faz parte da tradição do Dexismo. É uma posição histórica e também de princípios. Como Dexistas, temos consciência que nossa ação é restrita e muito semelhante à de um simples repórter: um repórter dos sinais de rádio que estão no ar e não de um protagonista ativo de causas, de campanhas ou ideologias. As causas, religiões e ideologias já possuem fóruns e instituições apropriadas de atuação. Temos consciência que não nos compete exercer o papel de polícia, nem de fiscais gratuitos das ondas hertzianas; que tais tarefas são da competência do Estado, das instituições e segmentos sociais cujos interesses tenham sido por elas contrariados, seja em virtude de suas mensagens ou dos espaços ocupados. 

Temos consciência também que, independentemente de gostarmos ou não de ouvir tais transmissões, não podemos impedir que existam por obra de nosso gosto particular. Querendo ou não, de forma paralela, elas fazem parte da História do Rádio. Estavam lá desde os primórdios, existem e talvez continuem a existir por muito tempo.

Sérgio Dória Partamian

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